sábado, 13 de março de 2010

Os caça-buracos

Estive viajando a trabalho. Percorri uma região ainda desconhecida para mim. Fui a Comodoro, no oeste de Mato Grosso, e de lá segui rumo leste, em direção a Campos de Julho. Parecíamos, eu e o fotógrafo, caçadores de tornados; estávamos em busca de tempestades para documentar o caos em que se transformam as estradas do interior neste período de colheita. Queríamos caminhões atolados, motoristas raivosos, essas coisas "que dão matéria". De tardezinha, no caminho para Campos de Julho, pensei que a sorte estava do nosso lado: nuvens muito escuras tomaram conta do horizonte, aproximando-se rapidamente, e os raios cortavam o céu de tempos em tempos. Bastou escurecer - nós ainda na estrada - para que o aguaceiro desabasse sobre nossas cabeças. Ainda bem que o asfalto é relativamente novo; era quase impossível enxergar alguma coisa, a não ser a faixa branca na lateral da pista.
Mal vimos a entrada de Campos de Julho, aliás muito mal sinalizada. Fomos a um posto de gasolina, conversamos com alguns caminhoneiros, jantamos, pegamos o pior hotel em que já me hospedei - disseram que era o melhor - e dormimos sonhando com belas imagens no dia seguinte. Antes, assisti ao primeiro grande comício de Dilma, durante o lançamento do II Plano Nacional de Cultura.
Acordei cedo, caminhei pela avenida deserta, sob uma cerração danada, mas pude ver a pista salpicada de grãos de soja, em toda sua extensão. Como se desperdiça. Também havia centenas de lesmas cruzando o asfalto. Ao lado, várias embalagens de veneno vazias, junto ao meio fio. Uma visão desanimadora.
Ainda no hotel Espelunca, perguntamos qual era a estrada com maior probabilidade de atoleiro. A opinião de todos foi a de que a Alto Juruena era terrível. Seguimos até ela e logo encontramos um caminhoneiro parado, arrumando alguma coisa. Pedimos informação. Ele estava esperando alguém vir na direção contrária para saber se dava para transitar. Seguimos adiante. Grandes valetas surgiram na pista. O solo estava seco, dava para passar. Por mais que tivesse chovido na noite anterior, não havia empossado água ali. Fomos em frente, depois de fotografar os buracos. Por todo lado, via-se a faina (palavrinha antiga, né?) de colhedeiras, tratores com plantadeiras e caminhões cortando a paisagem de leve declive. Bonito de ver, numa manhã ensolarada após a noite chuvosa. Aqui e ali, possíveis atoleiros, mas ninguém parado.
Decidimos seguir para Sapezal, onde almoçamos e ficamos comparando a organização da cidade em relação a Campos de Julho, feínha que só ela. Sapezal é maior, mais ajeitada e tem alguns prédios, como o Paço Municipal - a Prefeitura - de primeiro mundo. É o reino dos Maggi, dos Scheffer, dos potentados do agronegócio mato-grossense. O churrasco temperado com arisco, porém, deixou a desejar.
Decidimos caçar buracos na famigerada 364, no trecho ainda sem asfalto entre Campo Novo do Parecis e Diamantino. De Sapezal a Campo Novo, passamos pela recém inaugurada MT 235, que cruza a reserva indígena Paresí. Logo à entrada da reserva, o pedágio, cuidado por 3 índios. Vinte reais para carros, trinta para caminhões. Sem que fizéssemos qualquer alusão, o índio que veio cobrar desandou a falar que não eram ladrões, que faziam tudo direitinho. Por isso tinham troco, se precisasse. Numa das mãos, tinha um bolo de notas de 20.
Seguimos adiante pela bela rodovia, novinha em folha, por onde escoa a soja vinda da região de Campo Novo, onde a família Maggi planta trocentos mil hectares na fazenda Itamarati, arrendada de Olacyr de Moraes. O cerradinho ralo me fez lembrar um gaúcho que me acompanhou em outra viagem à reserva, há alguns anos: ele praticamente babava e dizia"Puxa, é muito fácil transformar isso em lavoura, é gradear e plantar". São 1,3 milhão de hectares de reserva, no mínimo 50% com topografia adequada à agricultura. Fui ali pela primeira vez há 23 anos, e vivi, por uma semana, como queria Rousseau.
Chegamos ao trecho sem asfalto da 364. Buraqueira, mas nada que já não tivesse visto na minha infância, indo para a fazenda em Dourados, MS. Gosto de dirigir nessas condições. O fotógrafo aproveitava para registrar a poeira levantada pelos caminhões que, dali, podem tanto ir em direção a Diamantino, levando a soja para a 163, como ir para Campo Novo. A da 163 vai sair ou por Santarem ou pelos portos do sul e sudeste do país; a de Campo Novo segue para Porto Velho, onde é embarcada e levada até Itacoatiara, no Amazonas, pelas barcaças da Hermasa, empresa dos Maggi.
Ao longo do trajeto, aqui e ali encontrávamos homens do Dnit. Mediam a rodovia. Logo adiante uma patrol deixava o chão um tapete. A estrada vem sendo asfaltada nos últimos anos e só faltam 80 km para ligar a 163, na altura do Posto Gil, à rodovia que sobe de Cuiabá a Campo Novo, cujo nome me escapa. Tanto na nossa subida até Comodoro como no trecho próximo a Diamantino, as estradas estão sendo recapeadas em grandes trechos. Buraco, mesmo, só nas estaduais e vicinais de terra.
Aos poucos, Mato Grosso vai superando as dificuldades tremendas de retirar suas safras cada vez maiores. O problema, pelo que se vê, está agora nas pontas: os caminhões estavam parados em Campos de Julho porque não havia balsas disponíveis em Porto Velho; em Santarém, onde desemboca a 163, o porto da Cargill não comporta grandes cargas; a Ferronorte estava sem vagões suficientes para atender à demanda do centro-sul do estado; e a hidrovia Paraguai-Paraná está às moscas desde que a Repsol de Hugo Chaves comprou a empresa Cinco Bacia e interrompeu o transporte de soja a partir de Cáceres.
Conclusão: o buraco é mais embaixo. Voltamos para casa mais cedo.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O tempo passa...

Fiquei surpreso ao ver que desde o dia 26 não visito este espaço de intimidades. Também não me sinto disposto a escrever hoje, meus improváveis leitores. Na verdade, titubeio: abro o jogo, escancaro o que me vai pela cabeça?
Talvez este seja um dilema de todo mundo que cultiva um blog sem interesse específico. Por que quis eu ter esse blog? Para falar do que me desse na telha, lembram-se? Mas e quando a gente está introspectivo, como acontece comigo frequentemente? Aí, ficar falando do umbigo, sei não...
Às vezes penso em transformar este blog num espaço de pregação. Dizer que simplicidade, tranquilidade, amizade, honestidade, sensibilidade, espiritualidade são a essência da vida. Acredito nisso. Mas quando um cara me fecha no trânsito, sai de baixo.
Resumindo: primeiro, é preciso auto-controle. Para isso, é necessário auto-conhecimento. Para isso, dê-lhe meditação. E meditar é um ato solitário. Silencioso. Aí dá sono.